sábado, 9 de janeiro de 2010

A LAGOA




A LAGOA

          Todos os dias pela manhã, ela caminhava às margens da lagoa que ficava próxima à sua casa. Uma paisagem revelava-se tão imponente circundando a região, igualando-se a uma pintura feita a óleo como que saída das mãos de um artista. Era mágico, ela sabia. Sempre que se sentia triste e angustiada, andava por aquele lugar, escutando atentamente aos sons do campo, um pássaro, uma folha caindo, um graveto quebrando ao ser tocado por seus pés. Em dias ensolarados ou em dias de chuva. Essa era a cena que se repetia.
           Em seus passeios, refletia sobre sua vida e os anos que passaram depressa. Ainda era jovem nos seus 35 anos, porém sentia que não havia feito nada de importante. Olhava para trás, para os anos vividos e não encontrava grandes realizações. Era solteira, tinha um bom emprego, alguns amigos que considerava, gostava de ler, escrever, mas não era uma pessoa realmente feliz, sentia-se só. Era uma mulher radical em suas atitudes, muito rígida, cobrava excessivamente dos outros e de si mesma.
          Porém, após ter se mudado para o campo por uma temporada, afastara-se do tumultuado cotidiano das grandes cidades, iniciando uma transformação em seus hábitos. Parar para avaliar sua vida em um lugar mais tranquilo, foi a melhor decisão que Lívia poderia ter tomado. Ela era o tipo da mulher que não apreciava pequenos gestos. Mantinha sua atenção voltada para situações mais elaboradas, era perfeccionista e muito exigente. Seu trabalho, estressante, exigia-lhe demais. “Não posso, estou sem tempo, muitas coisas para fazer.” - essa era a frase que dizia todos os dias ao telefone quando alguma amiga ligava convidando-a para um passeio. Isolou-se! Não parava para ouvir uma música, o som de um pássaro, nem mesmo para dar um sorriso. E quando esboçava algo parecido com um, é porque a situação obrigava-lhe.
          Num dos seus passeios matinais, sentou-se à margem da lagoa onde repousavam algumas gaivotas. Deixou-se ficar ali, admirando. Seus pensamentos viajaram para longe, lembrou-se de seus pais, de sua infância e deixou escapar um pensamento: “Eu era feliz e não sabia.” Crescer tinha sido difícil, ser adulta então, mais ainda: tomar decisões, conviver com pessoas diferentes, preocupar-se com coisas do dia a dia... Os anos passavam depressa e a vida era só aquilo. “O que me falta?” - questionava-se. Falta ser feliz! Mas não é uma felicidade qualquer, necessidade de uma alegria verdadeira, espontânea, sincera. “E onde estaria isso?” - esse era o grande problema.
          À beira da lagoa, de água tão clara, começou a perceber o som muito sutil da água se movendo, como uma valsa. Os pássaros, por vezes agitavam-se, e ela, então, sentiu o ardor do sol na sua pele. “Que dia lindo, nem percebi como tudo está tão iluminado hoje.” “Faltava magia, era isso! E onde estaria?
          Quando Lívia resolveu levantar-se da grama e retornar para casa, avistou do outro lado da lagoa um homem. “Não me lembro de tê-lo visto aqui.” - pensou. Enquanto olhava aquela imagem que mais parecia miragem, ele acenou, virou-se e foi embora. Ela ficou intrigada, não lembrava-se dele. A curiosidade aumentou enquanto andava, era um tipo interessante, alto, cabelos negros. “De repente ele estará aqui amanhã e eu poderei tentar contato.
          A rotina alterara-se, pela visão, após aquele dia. Ele não aparecera novamente. Ela agora ia até a lagoa não mais para pensar, e sim, para esperar por alguém que nem mesmo sabia quem era, mas que depertava-lhe certa inquietação. Duas semanas passaram-se e nada. Um dia Lívia estava novamente à beira, atirando pedrinhas na água. Ouviu um barulho, como um arrastar entre folhas secas, ficou terrivelmente paralisada, um medo súbito abateu-se sobre ela, “poderia ser uma cobra!”, não conseguia se mover. Depois de alguns segundos, num movimento brusco, o ruído aumentando, chegando cada vez mais perto, ela assustou-se e gritou.

          - Meu Deus! - respiração forte, toda a adrenalina em seu sangue, quase caiu.

          - Perdoe-me. Não queria assustá-la. Você fica muito distraída aqui. Se fosse uma cobra teria lhe picado. - falou o homem segurando seu braço e sorrindo gentilmente. Ela, ainda assustada, olhos arregalados, não pôde dizer nada. Apenas olhar bem dentro dos seus olhos negros.
          - Eu não vi você chegar. À propósito, você mora por aqui? - Lívia foi se acalmando e sentando-se na grama e fazendo sinal para que lhe acompanhasse.
          - Sim! Mudei a pouco tempo, menos de um mês. Ah! Desculpe-me, eu não me apresentei. Roberto, e o seu? - disse estendendo a mão em sinal de cumprimento.
          - Lívia. - apertou sua mão e sentiu um calor subir-lhe. Ele era muito interessante e tinha um olhar diferente.

           Inciaram uma conversa que durou horas, sobre tudo, todas as coisas. Ele tinha impressões simples da vida. E à medida que o diálogo ia avançando, parecia que ele a conhecia muito bem. Era como se a desvendasse, mesmo que não dissesse muito sobre si.

          - Sou uma pessoa feliz! Olhe à sua volta! Tudo isso que está vendo é motivo para ser muito feliz, quantos momentos assim já teve em sua vida? - ele perguntava e continuava sua explanação. Esse silêncio, esses pássaros, as folhas caindo das árvores, tudo isso Lívia, é mágico. Do que mais você precisa? - ela não sabia ao certo. Você foge do seu passado, esqueça-o! O importante é o que você pode fazer agora por você, e só você pode!
           Ela passou uma tarde toda ouvindo ele dizer como a vida podia ser maravilhosa se observasse mais as pequenas coisas. Um estranho, que parecia ser um conhecido de muito tempo, fez sentir a magia dentro de si. À medida em que os dias iam passando, percebia como eram importantes as tardes em que observava a paisagem e ouvia Roberto explicar como precisava-se de pouco para ser feliz. Bastava que ela colaborasse consigo mesma, deixasse que as oportunidades chegassem em sua vida, abrindo seus olhos e seu coração.
          Aqueles dias foram muito felizes, mágicos. Acreditava que um anjo havia descido à Terra para fazer-lhe companhia. Ao voltar para a cidade, Lívia já não era mais a mesma, e a vida agora fazia todo o sentido.




** Publicado na Antologia de Contos Fantásticos, Edição Especial 2010, pela Câmara Brasileira de Jovens Escritores (CBJE)

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